Now I Became Aged

Now I Became Aged é a primeira exposição de Henrique Pavão na Uma Lulik. O título cita uma frase de The Gods of México de C. A. Burland, livro baseado nos escritos de Bernardino de Saha- gún, frade franciscano que integrou a armada do conquistador espanhol Hernán Cortes – e obra que Robert Smithson, um dos artistas predilectos de Henrique Pavão, levou e leu na sua seminal viagem a Iucatã, em 1969.
A exposição inclui três obras – uma projecção vídeo, uma projecção de slides com som, e uma série de impressões fotográficas – que surgiram no decurso de uma viagem à Barragem do Alto-Lindoso e à contígua antiga aldeia de Aceredo, habitualmente submersa pela água da barragem. A pre- sença neste lugar peculiar, a coexistência de uma construção recente e de um conjunto de ruínas urbanas, despertou no artista uma outra viagem (mental, ficcional e especulativa), a possibilidade de uma experiência perceptiva passível de reconfigurar a nossa relação com o espaço e o tempo.
Now I Became Aged (2018) é um vídeo a preto e branco no qual aparece um exemplar do livro de Burland no banco de trás de um carro, um objecto que acompanhou o artista num movimento, simultaneamente físico e imaginário, em direcção a um tempo difuso, propenso a justaposições entre o passado e o futuro. A filmagem foi realizada durante o trajecto entre Lisboa e a Barragem do Alto-Lindoso. O título reproduz uma frase de Quetzalcoatl, uma divindade das culturas meso- americanas, ao ver o seu reflexo num espelho negro de obsidiana. A imagem no espelho, apaga todas as memórias e revela o futuro de quem o olha. Ao dizer esta frase o deus parte numa viagem à procura do passado no futuro. O espelho é lhe dado pelo deus oposto, Tezcalipoca, uma das figu- ras mais temidas da mitologia asteca. No vídeo, com intervalos de aproximadamente 20 minutos, o plano sobre o livro é interrompido pela súbita, inesperada e fugaz aparição de um jaguar filmado algures na península de Iucatã. O jaguar, animal solitário e nocturno, era uma das representações mais frequentes de Tezcalipoca.

The Future is But the Obsolete in Reverse (2018) é constituída pela projecção de um diapositivo de 35mm de uma imagem feita na barragem acompanhada de uma peça de som gravada em vinil na qual, de tempos a tempos, ouvimos o som de um fenómeno que supostamente acontece na pirâmi- de de Chichén Itzá (Iucatã): se alguém bater palmas à frente desta pirâmide, o som que se repercu- te pelas escadas da mesma, e com passagem pelo templo, em cima desta construído, produz o eco do pássaro Quetzal, representação principal do deus Quetzalcoatl. Estamos perante um díptico que confronta uma construção contemporânea com uma pirâmide maia, como dois incomensuráveis monumentos que exalam um tempo criativo e espiralado, fenomenológico e projectivo, que permite conjugar duas etapas históricas distantes. O título cita uma célebre frase de Nabokov que inspirou a ideia de “ruins in reverse” referida por Robert Smithson no ensaio A Tour of the Monuments of Passaic (1967).

A terceira peça, To Erase Time One Requires Mirrors, Not Rocks (2018), é constituída por 7 ima- gens de pedras. Seis destas pedras foram recolhidas pelo artista na antiga aldeia de Aceredo, que ressurge sempre que a seca no Minho se faz sentir de forma mais acentuada, como aconteceu nos últimos meses. As pedras são artefactos de outros tempos, são testemunhas de um loop inter- minável, existente em todos os elementos da exposição. Porém a sétima pedra não foi recolhida nesta vila: é uma pedra de obsidiana do México, a fundação do espelho negro que Tezcalipoca dá a Quetzalcoatl.
Toda a exposição funda-se na possibilidade, na disponibilidade, de despertar uma cosmologia, onde se diluem os limites entre realidade e ficção, e onde são legítimas e fecundas as remissões e justaposições entre referências de campos diversos como os da mitologia e da literatura, da arque- ologia , da arte e da arquitectura. É um espaço retórico e estético na qual caberá à imaginação, pela sua potência intrínseca de montagem, operar nestes intervalos de tempos e migrações simbólicas.



Sérgio Mah, 2018

© 2019 Henrique Pavão
 

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