Unfinished Past (2016) é uma obra de vídeo, de Henrique Pavão, que cruza imagens, sons e relatos de proveniências distintas para construir uma experiência de proximidade pessoal, retros- pectiva e melancólica.
Henrique Pavão regista os destroços de um barco encalhado, no final do porto de Malmö, na Suécia. Alheias à cidade onde são captadas, as imagens incidem no casco da embarcação e no seu contacto com a água.
O que se filma, de modo claro, atento e curioso, assenta numa relação entre um encantamento e uma procura. Uma relação que gere um fascínio pelo estado de ruína e uma busca pela origem desse estado.
Centrado na presença do que ali jaz mas, também, na invocação do passado, este é um trabalho que inquire a passagem do tempo, a forma que este adquire e o modo como este se reinventa. Com um olhar que perscruta, Henrique Pavão atenta à transformação da matéria, documentando o perecer do barco e o que, agora, reveste a sua superfície. Nesse processo, entre o que ele foi e o que agora é, cria-se um instante que permanece suspenso, e uma presença que se torna so- nâmbula.
Ao longo do vídeo há um ruído constante e hipnótico que foi captado num pilar da ponte 25 de Abril, em Lisboa. Funcionando como uma segunda camada que é sobreposta à imagem, o som perpetua-se ao longo da obra, com uma intensidade e um timbre que reforçam a dormência suge- rida pelas imagens.
Remetendo-nos desta vez para uma ideia de local, a referência à ponte surge como uma pre- sença difusa que alude à anterior navegabilidade do barco. Como o despertar de um eco, o som transporta a lembrança de um hipotético passado que complementa as imagens. Para o artista, essa menção à ponte e ao passado é, também, algo que se inscreve no seu foro pessoal.
Como uma terceira camada, o texto sobrepõe-se às imagens e relata o regresso a uma casa anti- ga. No confronto entre a memória e o seu estado actual, entre a efabulação poética e a realidade, procede-se à descrição de um lugar que, ora é casa, ora é barco, narrando também a forma como se vislumbra o céu, e o mar, por entre o recorte das janelas. Nessa acção, há como que a vonta- de de reviver o que já lá não está, tentando agarrar um instante que foge entre os dedos.
Num processo de construção e desconstrução do tempo, Henrique Pavão disseca, agrupa e (re) combina os elementos que enformam a memória de um lugar. Um lugar que foi a sua casa, em Lisboa, convocado a pretexto de uma embarcação que mais tarde encontrou, no porto, em Malmö O trabalho inicia-se com uma sequência que nos mostra o barco tombado, fechado ao exterior, e termina com uma sequência que nos mostra uma janela interior, que se abre ao recorte do céu. Entre ambas, há um hiato onde passado, presente e futuro, se cruzam numa consonância atem- poral.

Sérgio Fazenda Rodrigues, 2018

 

Unfinished Past
2016

HD video, sound, 09’53’
 


Mark