Henrique Pavão (Lisboa, 1991) tem vindo a desenvolver um trabalho em torno de questões relacionadas com a memória, seja em termos pessoais, seja em termos dos sinais deixados nos traços da memória coletiva. O seu trabalho usa a escultura, a imagem fotográfica (projetada ou impressa), filme e som, em instalações que requerem do espetador uma cuidada atenção ao detalhe e a disponibilidade para decifrar os mecanismos que o artista propõe.
Tendo realizado a sua formação na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e, posteriormente, na Nothingham Trent University e na Art Academy de Malmo, na Suécia, iniciou um percurso expositivo na KHM Gallery em Malmo e, posteriormente na Appelton Square em Lisboa. Participa na Bienal Anozero, organizada pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra deste ano.
O seu trabalho possui um claro eco no universo da arte concetual, presente na serialidade e repetitividade (de imagens e situações), por vezes em conflito com a emotividade de alguns dos projetos, com o seu caráter autobiográfico ou a sua natureza melancólica.

Para a Culturgest Porto, o artista desenvolveu o projeto antes e depois de antes, uma complexa instalação que ativa a caixa-forte principal do edifício.
Fechadas nessa sala inviolável encontram-se dezasseis esculturas que o artista produziu em alcatrão prensado. Dispostas numa grelha como uma instalação serial de objetos minimais, as esculturas são, no entanto de uma enorme fragilidade, estando votadas à inevitável perecibilidade por colapso estrutural. Este processo de decadência, como uma decomposição de matéria orgânica, quase metafórico da vida, é registado por câmaras de vigilância. O registo é posteriormente transmitido para quinze dos dezasseis monitores dispostos no primeiro piso que dão conta, em diferido, do processo que tem lugar na cave do edifício. O décimo sexto monitor permanece ligado em tempo real, apresentado imagens do que acontece (ou não) na caixa-forte.
O círculo desenhado pelos monitores constitui uma segunda instalação escultórica, com os volumes quase cúbicos dos monitores colocados sobre plintos que são, de facto, as caixas que serviram às cofragens das esculturas.
Trata-se, portanto, de um tempo circular que nos é proposto, um permanente vai vem entre o passado e o presente, a memória e o acontecimento, o registo e a expectativa. Por outro lado, a vertente conceptual e a natureza diferida da instalação usa a rigorosa geometria da escultura nas duas formulações propostas (em grelha e em círculo), o segundo inscrito sobre o primeiro que, fisicamente, ocupa a mesma área no piso de baixo, mas inacessível ao público.
Claro que as noções de colapso, de inacessibilidade, de fragilidade e fugacidade, a presença da vigilância e a forma como esta não dá real acesso aos objetos, constituem uma poderosa metáfora do presente, quer em termos da vivência do tempo, como na ressonância política que, como um eco, se insinua. Esta, no entanto, é já a tarefa do espectador: encontrar sentidos nos sinais, espalhados como indícios.



Delfim Sardo, 2017

antes e depois de antes



 

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